Programação


"FÉ INABALÁVEL SÓ O É A QUE PODE ENCARAR FRENTE A FRENTE A RAZÃO, EM TODAS AS ÉPOCAS DA HUMANIDADE."
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terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Vozes de Uma Sombra


De Augusto dos Anjos, publicado em Parnaso de Além Túmulo.


Donde venho? Das eras remotíssimas,
Das substâncias elementaríssimas,
Emergindo das cósmicas matérias.
Venho dos invisíveis protozoários,
Da confusão dos seres embrionários,
Das células primevas, das bactérias.

Venho da fonte eterna das origens,
No turbilhão de todas as vertigens,
Em mil transmutações, fundas e enormes;
Do silêncio da mônada invisível,
Do tetro e fundo abismo, negro e horrível,
Vitalizando corpos multiformes.

Sei que evolvi e sei que sou oriundo
Do trabalho telúrico do mundo,
Da Terra no vultoso e imenso abdômen;
Sofri, desde as intensas torpitudes
Das larvas microscópicas e rudes,
A infinita desgraça de ser homem.

Na Terra, apenas fui terrível presa,
Simbiose da dor e da tristeza,
Durante penosíssimos minutos;
A dor, essa tirânica incendiária,
Abatia-me a vida solitária
Como se eu fora bruto entre os mais brutos.

Depois, voltei desse laboratório,
Onde me revolvi como infusório,
Como animálculo medonho, obscuro,
Té atingir a evolução dos seres
Conscientes de todos os deveres,
Descortinando as luzes do futuro.

E vejo os meus incógnitos problemas
Iguais a horrendos e fatais dilemas,
Enigmas insolúveis e profundos;
Sombra egressa de lousa dura e fria,
Grito ao mundo o meu grito que se alia
A todos os anseios gemebundos: —

“Homem! por mais que gastes teus fosfatos
Não saberás, analisando os fatos,
Inda que desintegres energias,
A razão do completo e do incompleto,
Como é que em homem se transforma o feto
Entre os duzentos e setenta dias.

A flor da laranjeira, a asa do inseto,
Um estafermo e um Tales de Mileto,
Como existiram, não perceberás;
E nem compreenderás como se opera
A mutação do inverno em primavera,
E a transubstanciação da guerra em paz;

Como vivem o novo e o obsoleto,
O ângulo obtuso e o ângulo reto
Dentro das linhas da Geometria;
A luz de Miguel Angelo nas artes,
E o espírito profundo de Descartes
No eterno estudo da Filosofia.

Porque existem as crianças e os macróbios
Nas coletividades dos micróbios
Que fazem a vida enferma e a vida sã;
Os antigos remédios alopatas
E as modernas dosagens homeopatas,
Produto da experiência de Hahnemann.

A psíquico-análise freudiana
Tentando aprofundar a alma humana
Com a mais requintadíssima vaidade,
E as teorias do Espiritualismo
Enchendo os homens todos de otimismo,
Mostrando as luzes da imortalidade.

Como vive o canário junto ao corvo,
O céu iluminado, o inferno torvo
Nos absconsos refolhos da consciência;
O laconismo e a prolixidade,
A atividade e a inatividade,
A noite da ignorância e o sol da Ciência.

As epidermes e as aponevroses,
As grandes atonias e as nevroses,
As atrações e as grandes repulsões,
Que reunindo os átomos no solo
Tecem a evolução de pólo a pólo,
Em prodigiosas manifestações;

Como os degenerados blastodermas
Criam a descendência dos palermas
No lupanar das pobres meretrizes,
Junto dois palacetes higiênicos,
Onde entre gozos fúlgidos e edênicos
Cresce a alegre progênie dos felizes.

Os lombricóides mínimos, os vermes,
Em contraposição com os paquidermes,
Assombrosas antíteses no mundo;
É o gigante e o germe originário,
Os milhões de corpúsculos do ovário,
Onde há somente um óvulo fecundo.

A alma pura do Cristo e a de Tibério,
Vaso de carne podre, o cemitério,
E o jardim rescendendo de perfumes;
O doloroso e tetro cataclismo
Da beleza louçã do organismo,
Repleto de dejetos e de estrumes.

As coisas sustanciais e as coisas ocas,
As idéias conexas e as loucas,
A teoria cristã e Augusto Comte;
E o desconhecido e o devassado,
E o que é ilimitado e o limitado
Na óptica ilusória do horizonte.

Os terrenos povoados e o deserto,
Aquilo que está longe e o que está perto;
O que não tem sinal e o que tem marca;
A funda simpatia e a antipatia,
As atrofias e a hipertrofia,
Como as tuberculoses e a anasarca.

Os fenômenos todos geológicos,
Psíquicos, científicos, sociológicos,
Que inspiram pavor e inspiram medo,
Homem! por mais que a idéia tua gastes,
Na solução de todos os contrastes,
Não saberás o cósmico segredo.

E apesar da teoria mais abstrusa
Dessa ciência inicial, confusa,
A que se acolhem míseros ateus,
Caminharás lutando além da cova,
Para a Vida que eterna se renova,
Buscando as perfeições do Amor em Deus.”

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

No Horto

Poema de Olavo Bilac em Parnaso de Além Túmulo.



Tristemente, Jesus fitando os céus, em prece,
Vê descer da amplidão o Arcanjo da Agonia,
Cuja mão luminosa e terna lhe trazia
O cálix do amargor, duríssimo e refece.

— “Se puderdes, meu Pai, afastai-o!...” — dizia,
Mas eis que todo o Azul celígeno estremece;
E do céu se desprende uma doirada messe
De bênçãos aurorais, de Paz e de Alegria.

Paira em todo o recanto a vibração sonora
Do Amor e o Mestre já na sede que o devora,
De imolar-se por fim nas aras desse Amor,

Sente a Mão Paternal que o guia na amargura,
E sublime na fé mais vivida, murmura:
— “Que se cumpra no mundo o arbítrio do Senhor!...”

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Culto aos Mortos

Extraído do livro FLORAÇÕES EVANGÉLICAS escrito por DIVALDO PEREIRA FRANCO e ditado pelo espírito JOANNA DE ÂNGELIS.



Resultante da ignorância, o culto dos mortos entre os povos primitivos se espalhou pelas múltiplas Civilizações da antigüidade, gerando, em con­seqüência, lamentáveis processos de desregramento religioso, que derrapavam, quase sempre, em dolo­rosos conúbios obsessivos.
Entidades primárias e viciosas, utilizando-se das paixões vigentes, exigiam, selvagens, sacrifícios de vidas humanas, que o tempo se encarregou de su­primir... Os holocaustos desta e daquela natureza foram sofrendo variações por impositivos do pro­gresso até assumirem conceituação metafísica, transmudando a mecânica da forma para a essência do espírito sacrificial.
Concomitantemente, estabeleceu-se o intercâmbio entre os dois mundos: o dos encarnados e o dos desencarnadOS, que retornavam com as mesmas características da personalidade desenvolvida antes do túmulo, exteriorizando as emoções e as sensações compatíveis ao estado de evolução de cada um.
Nos santuários dos Templos, nas Escolas de iniciação, nos “Mistérios”, os mortos sempre assu­miram papel preponderante, traduzindo os desejos dos “deuses”, — “deuses” que se fariam crer, — conduzindo, não raro, e em consequência, o pensamento humano às nascentes da vida, e elucidando os enigmas do ser, as diretrizes dos destinos e os impositivos da dor...
Filósofos e heróis, conquistadores e reis, magos e sacerdotes do passado mantiveram, dessa forma, longo comércio com o Mundo Espiritual em inolvi­dáveis diálogos, dos quais ressumavam a essência da vida verdadeira, a imortalidade, a comunicabili­dade e a reencarnação do espírito...

* * *

Com Jesus, no entanto, os chamados mortos receberam o necessário respeito, ocupando o devido lugar. Seus encontros com os libertos da carne, mencionados no Evangelho, são memoráveis, incon­fundíveis. E a ética decorrente dêsse convívio, va­zada na elevação moral e na renúncia, no amor e na caridade constitui, ainda hoje, a linha de equi­líbrio e base de segurança para a vida.
Depois dEle, Allan Kardec, o Missionário fran­cês, de Líon, foi investido pelo Alto com a inapre­ciável condição de desvelar a vida além da sepul­tura, facultando o renascimento do Cristianismo nos espíritos e nos corações, e abrindo nobres en­sanchas para o intercâmbio com as Esferas Espiri­tuais.
Os próprios Imortais aquiesceram em elucidar os enigmas humanos com a divina permissão, am­pliando enormemente os horizontes do entendi­mento sobre a vida imperecível, após o decesso or­gânico.
Porque a Terra necessitasse de inadiável des­pertamento para as realidades do espírito, os Em­baixadores dos Céus mergulharam no corpo e re­nasceram nos diversos campos do pensamento e da investigação, colaborando com tirocínios lúcidos e comprovações indubitáveis da continuidade da vida após a morte.
Luminares do Reino mantiveram comunhão com os homens, através da mediunidade dignificada, re­petindo a mensagem do Cordeiro de Deus aos co­rações amargurados e contribuindo com farta cópia de revelações novas.
Não mais a morte. Em tõda a parte exulta a vida.
Ninguém se aniquila na morte. Muda-se de es­tado vibratório sem que se opere mudança intrínseca naquele que é considerado morto.
Morrer é, também, reviver.
Mortos estão, em realidade, aquêles que têm fechados os olhos para a vida e jazem anestesiados na ilusão, deambulando, em hipnose inditosa, entre viciações e engodos.
Cada ser é além do corpo o que cultivou na in­dumentária carnal. Nem melhor nem pior do que era. As construções mentais, longamente atendidas, não se apagam dos painéis espirituais ao toque má­gico da desencarnação, nem tampouco o culto da personalidade, os hábitos infelizes se rompem, de imediato, graças ao bisturi miraculoso da morte.
Morrer e viver nas vibrações materiais são contingências que dizem respeito a cada um.

* * *

Por essa razão, em memória dos teus mortos queridos, que vivem, não lhes açules as paixões subalternas com oferendas de ordem material, Já não necessitam dos mimos enganadores nem das de­monstrações exteriores do mundo da forma. Têm agora outro conceito, compreendem melhor o que foram, como poderiam e deveriam ter sido, e lamentam, se não souberam conduzir a experiência pelas nobres linhas da elevação moral.
Respeita-lhes a memória, mas desvincula-os das coisas transitórias.
Ama-os, e liberta-os das evocações dolorosas do vaso carnal.
Ajuda, através da tua valiosa dádiva de amor, os que se demoram ao teu lado experimentando aflições e desesperos.
Transforma as flôres débeis que logo fenecem em pães de esperança, que sustentarão vidas em quase extinção.
Apaga os círios de parca luminescência e acende a luz da caridade, pensando nêles, para que as lâmpadas de misericórdia que coloques em outras vidas possam transformar-se em claridade sublime nas consciências dêles.
Mitiga a sêde, diminui a fome, alfabetiza, enseja o medicamento, fomenta a concórdia, distribui a esperança, divulga a paz, recordando aquêles a quem amas e que partiram para o mais além, e chuvas de bênçãos cairão sôbre êles, abençoando-te também.
Não os pranteies em desesperos, não os exaltes em qualidades que não possuem.
Recorda-os na saudade e mantém-nos na lem­brança do carinho, sabendo por antecipação que um dia virá em que jornadearás, também, na dire­ção dêsse Mundo em que êles se encontram, voltan­do a estar ao lado dêles, sendo feliz outra vez. E como dispões ainda de tempo para preparar a sua viagem de retôrno à Pátria Espiritual, organizais emocionalmente, entregando tua vida à Providên­cia Divina e vivendo de tal forma no corpo que, em chegando o momento da desencarnação, não te detenhas atado às mazelas nem às constrições do vasilhame carnal.

*

“Se alguém guardar a minha palavra, nunca, jamais, provará a morte”.
João: capítulo 8º versículo 52.
  
“O respeito que aos mortos se consagra não é a matéria que o inspira, é, pela lembrança, o Espírito ausente quem o infunde”.
                                                                 Capítulo 23º — Item 8, parágrafo 2.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Espiritismo e Mediunidade

Extraído do livro "Estudando a Mediunidade" de Martins Peralva.



       Que devemos buscar na Mediunidade?
       Como devemos considerar os Médiuns?
       Que nos podem oferecer o Espiritismo e o Mediu­nismo?
       Essas três singelas perguntas constituem o esboço do presente capítulo.
       Em que pese ao extraordinário progresso do Espi­ritismo, neste seu primeiro século de existência codificada, qualquer observador notará que os seus variegados ângulos ainda não foram integralmente apreendidos, in­clusive por companheiros a ele já filiados.
       Muitas criaturas, almas generosas e simples, ainda não sabem o que devem e podem buscar na mediunidade.
       Outras, guardam um conceito errôneo e perigoso, com relação aos médiuns, situando-os, indevidamente, na posição de santos ou iluminados.
       Em resumo, ainda não sabemos, evidentemente, o que o Espiritismo e a prática mediúnica nos podem ofe­recer.
       Há quem deseje, irrefletidamente, buscar nos serviços de intercâmbio entre os dois planos a satisfação de seus interesses imediatistas, relacionados com a vida terrena, como existem os que, endeusando os médiuns, ameaçam-lhes a estabilidade espiritual, com sérios riscos para o Homem e para a Causa.
       O Espiritismo não responde por isso.
       Nem os Espíritos Superiores.
       Nem os Espíritos mais esclarecidos.
       Allan Kardec foi, no dizer de Flammarion, “o bom senso encarnado”, O Espiritismo, cuja codificação no plano físico coube ao sábio francês, teria de ser, tam­bém, a Doutrina do bom-senso e da lógica, do equilíbrio e da sensatez.
       Ele permanecerá como imponente marco de luz, por muitos séculos, aclarando o entendimento de quantos lhe busquem por manancial de esclarecimento e consolação.
       Ao invés de cogitar apenas dos problemas materiais, para cuja solução existem, no mundo, numerosas insti­tuições especializadas, cogita o Espiritismo de fixar o roteiro do nosso reajustamento para a Vida Superior.
       Reajustamento assim especificado:
       a) - Moral
       b)— Espiritual
       c) — Intelectual
       E na definição de André Luiz, “revelação divina para renovação fundamental dos homens”.
       Quem se alista nas fileiras do Espiritismo é compe­lido, naturalmente, a iniciar o processo de sua própria transformação moral.
       Não quer mais ser violento ou grosseiro, maledi­cente ou ingrato, leviano ou infiel.
       Deseja, embora tateante, em vista das solicitações inferiores que decorrem, inevitavelmente, do nosso apri­sionamento às formas primitivistas evolucionais, subir, devagarinho, os penosos degraus do aperfeiçoamento es­piritual, integrando-se, para isso, no trabalho em favor de si mesmo e dos outros.
       O Espírita esclarecido considerará o médium como1 um companheiro comum, portador das mesmas responsa­bilidades e fraquezas que igualmente nos afligem.
       Alma humana, falível e pecadora, necessitada de compreensão.
       Não o tomará por adivinho, oráculo ou revelador de notícias inadequadas.
       Assim sendo, ajudá-lo-á no desempenho dos seus deveres, evitando o elogio que inutiliza as mais belas florações mediúnicas, para estimulá-lo e ampará-lo com a palavra amiga e sincera.
       Todo Espírita ganharia muito se lesse, meditando, o capítulo História de um Médium, do livro “Novas Mensagens”, do Espírito de Humberto de Campos.
       Como descansariam os médiuns do assédio impie­doso que lhes movem alguns companheiros, deixando-os, assim, livres e desimpedidos para a realização de suas nobres tarefas?
       O Espiritista sincero irá compreendendo, pouco a pouco, que o Espiritismo e o Mediunismo lhe podem ofe­recer ensejo para o sublime “reencontro com o pensa­mento puro do Cristo, auxiliando-nos a compreensão para mais amplo discernimento da verdade”.
       E, através dessa compreensão, saberá reverenciar “o Espiritismo e a Mediunidade como dois altares vivos no templo da fé, através dos quais contemplaremos, de mais alto, a esfera das cogitações propriamente terres­tres, compreendendo, por fim, que a glória reservada ao espírito humano é sublime e infinita, no Reino Divino do Universo”.
       Com esta superior noção das finalidades da Dou­trina Espírita, não mais se farão ouvir, proferidas por companheiros nossos, as três perguntas com que abrimos o presente capítulo:
       Que devemos buscar na mediunidade?
       Como devemos considerar os médiuns?
       Que nos podem oferecer o Espiritismo e o Mediunismo?

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Oração

Poema de João de Deus em Parnaso de Além Túmulo.


NASCIDO em São Bartolomeu de Messines, Portu­gal, em 1830, e desencarnado em 1896, afir­mou-se um dos maiores líricos da língua por­tuguesa. É tão bem conhecido no Brasil quanto em seu belo país. Nestas poesias palpita, de modo in­confundível, a suavidade e o ritmo da sua lira.



Vós que sois a mãe bondosa
De todos os desvalidos
Deste vale de gemidos.
Mãe piedosa!...

Sublime estrela que brilha
No céu da paz, da bonança,
Do céu de toda a esperança —
Maravilha!

Maria! — consolação
Dos pobres, dos desgraçados,
Dos corações desolados
Na aflição,

Compadecei-vos, Senhora,
De tão grandes sofrimentos,
Deste mundo de tormentos,
Que apavora.

Livrai-nos do abismo tredo

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Jesus ou Barrabás?

Poema de Olavo Bilac em Parnaso de Além Túmulo.


NATURAL do Rio de Janeiro, nasceu em 16 de dezembro de 1865 e aí faleceu em 1918. Con­siderado ao seu tempo, o Príncipe dos Poetas Brasileiros. Sócio fundador da Academia Brasileira de Letras.





Sobre a fronte da turba há um sussurro abafado.
A multidão inteira, ansiosa se congrega,
Surda à lição do amor, implacável e cega,
Para a consumação dos festins do pecado.

“Crucificai-o!” — exclama... Um lamento lhe chega
Da Terra que soluça e do Céu desprezado.
“Jesus ou Barrabás?” — pergunta, inquire o brado
Da justiça sem Deus, que trêmula se entrega.

Jesus! Jesus!... Jesus!... — e a resposta perpassa
Como um sopro cruel do Aquilão da desgraça,
Sem que o Anjo da Paz amaldiçoe ou gema...

E debaixo do apodo e ensangüentada a face,
Toma da cruz da dor para que a dor ficasse
Como a glória da vida e a vitória suprema.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O Eu e a Ilusão.

Extraído do livro Amor, Imbatível Amor de Divaldo Pereira Franco, ditado pelo espírito Joanna De Ãngelis.


        A trajetória de predominância do ego no ser é lar­ga. A descoberta do eu profundo, do ser real, da indivi­duação é, por conseqüência, mais difícil, mais sacrificial, exigindo todo o empenho e dedicação para ser lo­grada.

Vivendo em um mundo físico, no qual a ilusão da forma confunde a realidade, o que parece tem predo­mínio sobre o que é, o visível e o temporal dominam os sentidos, em detrimento do não visível e do atemporal, jungindo o ser à projeção, com prejuízo para o que é real, e é compreensível que haja engano na eleição do total em detrimento do incompleto.
Esse conflito — parecer e ser — responde pelos equívocos existenciais, que dão preferência ao que fere os sentidos, substituindo as emoções da alma, além das estruturas orgânicas. Estabelece-se, então, a prevalência da ilusão derivada do sensorial que a tudo comanda, no campo das formas, desempenhan­do finalidade dominante em quase todos os aspe­ctos da vida.
Submerso no oceano da matéria o ser profundo — o eu — encontrando-se em período de imaturidade psico­lógica, deixa-se conduzir pelo exterior, supondo-se di­ante da realidade, sem dar-se conta da mobilidade e estrutura de todas as coisas, na sua constituição mole­cular.
O campo das formas responde pela ilusão dos sen­tidos, que se prolongam pelos delicados equipamentos emocionais, dando curso a aspirações, desejos e com­portamentos.
A ilusão, no entanto, é efêmera, quanto tudo que se expressa de maneira temporal. A própria fugacida­de do tempo, como medida representativa e dimensio­nal da experiência física, traí o ser psicológico, cujo es­paço ilimitado necessita de outro parâmetro ou coor­denada que, ao lado de outra coordenada espacial, faculta a identificação univocamente de um fato ou ocor­rência.
O ser psicológico movimenta-se em liberdade, po­dendo viver o passado no presente, o presente no mo­mento e o futuro, conforme a projeção dos anseios, igualmente na atualidade. As dimensões temporais ce­dem-lhe lugar às fixações emocionais, responsáveis pela conduta do eu profundo.
Face a essa distonia entre o tempo físico e o emoci­onal, cria-se a ilusão que se incorpora como necessida­de de vivência imediata, primordial para a vida, sem o que o significado existencial deixa de ter importância.
A escala de valores do indivíduo está submetida à relatividade do conceito que mantém em torno do que anela e crê ser-lhe indispensável. Enquanto não apro­funda o sentido da realidade, a fim de identificar-lhe os conteúdos, todos os espaços mentais e emocionais permanecem propícios aos anseios da ilusão.
E ilusória a existência física, apertada na breve di­mensão temporal do berço ao túmulo, de um início e um fim, de uma aglutinação e uma destruição de molé­culas, retornando ao caos de onde se teria originado, fazendo que o sentido para o eu profundo seja destitu­ído de uma qualificação de permanência. Como efeito mais imediato, a ilusão do gozo se apropria do espaço-tempo de que dispõe, estabelecendo premissas falsas e gozos igualmente enganosos.
A dilatação do processo existencial, começando antes do berço e prosseguindo além do túmulo, oferece objetivos ampliados, que se eternizam, proporcionan­do contentos satisfatórios que se transformam em rea­lizações espirituais de valorização da vida em todos os seus atributos.
O ser humano não mais se apresenta como sendo uma constituição de partículas que formam um corpo, no qual, equipamentos eletrônicos de alta procedência reúnem-se casualmente para formar a estrutura huma­na, o seu pensamento, suas emoções, tendências, aspi­rações e acontecimentos morais, sociais, econômicos, orgânicos...
Essa visão do ser profundo desarticula as engre­nagens falsas da fatalidade, do destino infeliz, das tra­gédias do cotidiano, dos acontecimentos fortuitos que respondem pela sorte e pela desgraça, dos absurdos e funestos sucessos existenciais.
Abre perspectivas para a auto-elaboração de valo­res significativos para a felicidade, oferecendo estímu­los para mudar o destino a cada momento, a alterar as situações desastrosas por intermédio de disciplinas psí­quicas, portanto, igualmente comportamentais, supe­rando as ilusões fastidiosas e rumando na direção da realidade permanente à qual se encontra submetido.
Certamente, os prazeres e divertimentos, os jogos afetivos — quando não danosos para os outros, geran­do-lhes lesões na alma — as buscas de metas próximas que dão sabor à existência terrena, devem fazer parte do cardápio das procuras humanas, nesse inter-relaci­onamento pessoal e comportamental que enriquece psicologicamente o ser profundo.
O fato de ëxpressar-se como condição de indes­trutibilidade, não o impede de vivenciar as alegrias tran­sitórias das sensações e das emoções de cada momen­to. Afinal, o tempo é feito de momentos, convencional­mente denominados passado, presente e futuro.
Qualquer castração no que diz respeito à busca de satisfações orgânicas e emocionais produz distúrbio nos conteúdos da vida. No entanto, o apego exagerado, a ininterrupta volúpia por novos gozos, a incompletude produzem, por sua vez, outra ordem de transtornos que atormentam o ser, impedindo-o de crescer e desenvol­ver as metas para as quais se encontra corporificado na Terra.
Diversos estudiosos da psique humana atribuem ao conceito de imortalidade do ser uma proposta ilu­sória, necessária para o seu comportamento, a partir do momento em que se liberta do pai biológico, trans­ferindo os seus conflitos e temores para Deus, o Pai Eter­no. Herança do primarismo tribal, esse temor se torna­ria prevalecente na conduta imatura, que teria necessi­dade desse suporte para afirmação e desenvolvimento da personalidade, como para a própria segurança psi­cológica. Como conseqüência, atribuem tudo ao caos do princípio, antes do tempo e do espaço einsteiniano.
Se considerarmos esse caos, como sendo de natu­reza organizadora, programadora, pensante, anuímos completamente com a tese da origem das formas no Universo. Se, no entanto, lhe atribuirmos condição for­tuita e impensada dos acontecimentos, somos levados ao absurdo da aceitação de um nada gerar tudo, de uma desordem estabelecer equilíbrio, de um desastre de coi­sa nenhuma — por inexistir qualquer coisa — dar origem à grandeza das galáxias e à harmonia das micropartí­culas, para não devanearmos poeticamente pela beleza e delicadeza de uma pétala de rosa perfumada ou a le­veza de uma borboleta flutuando nos rios da brisa sua­ve, ou das estruturas do músculo cardíaco, dos neurô­nios cerebrais...
A Vida tem sua causalidade em si mesma, pensan­te e atuante, que convida a reflexões demoradas e qualitativas, propondo raciocínios cuidadosos, a fim de não se perder em complexidades desnecessárias. Por efei­to, todos os seres sencientes, particularmente o huma­no, procedemde uma Fonte Geradora, realizando gran­diosa viagem de retorno à sua Causa.
Os conflitos são heranças de experiências fracassa­das, mal vividas, deixadas pelo caminho, por falta de conhecimento e de emoção, que se vão adquirindo eta­pa-a-etapa no processo dos renascimentos do Espírito — seu psiquismo eterno.
A ilusão resulta, igualmente, da falta de percepção e densidade de entendimento, que se vai esmaecendo e cedendo lugar à realidade, à medida que são conquis­tados novos patamares representativos das necessida­des do progresso. São essas necessidades — primárias, dispensáveis, essenciais — que estabelecem o conside­rando do psiquismo para a busca do que lhe parece fundamental e propiciador para a felicidade.
O eu permanece, enquanto a ilusão transita e se transforma. Quanto hoje se apresenta essencial, algum tempo depois perde totalmente o valor, cedendo lugar a novas conquistas, que são, por sua vez, técnicas de aprendizagem, de crescimento, desde que não deixem na retaguarda marcas de sofrimento, nem campos de­vastados pelas pragas das paixões primitivas.
Momento chega a todos os seres em desenvolvi­mento psicológico, no qual, se recorre à busca espiritu­al, à realização metafísica, superando-se a ilusão da car­ne, do tempo físico, assim equilibrando-se interiormente para inundar-se de imortalidade consciente.