Poema de Augusto dos Anjos publicado no livro: Parnasso de Além Túmulo.
PARAIBANO. Nasceu em 1884 e desencarnou em 1914, na
cidade de Leopoldina. Minas. Era professor no Colégio Pedro 2º, inconfundível
pela bizarria da técnica bem como dos assuntos de sua predileção, deixou um só
livro — Eu — que foi. alias.
Suficiente para lhe dar personalidade original.
Voz do
Infinito
1
No
excêntrico labor das minhas normas
Na Terra,
muita vez me consumia
Perquirindo
nas leis da Biologia
As
expressões orgânicas das formas.
O
fenômeno apenas, porque o fundo
Do númeno
às eternas rutilâncias,
Eram
partes do Todo nas Substâncias
Desde o
estado prodrômico do mundo.
Com o
espírito absconso em paroxismos,
No rubro
incêndio de batalha acesa,
Via Deus
adstrito à Natureza,
Deus era
a lei de eternos transformismos.
Concepção
panteística, englobando
As
substâncias todas na Unidade,
Perpetuando-se
em continuidade,
A
essência onicriadora reformando.
O corpo,
desde o embrião inicial,
Era um
mero atavismo revivendo;
A alma
era a molécula, sofrendo,
Afastada
do Todo Universal;
Dominava-me
todo o medo horrível,
Do meu
viver, que eu via transtornado:
Eu era um
átomo individuado
Em
cerebralidade putrescível.
A luz
dessa dourada ignorância,
E com
certezas lógicas, numéricas,
Notava as
pestilências cadavéricas
Iguais à
carne Angélica da infância,
A sutilez
do arminho que se veste,
A coroa
aromática das flores,
Irmanadas
aos pútridos fedores
De
emanações pestíferas da peste!
Extravagância
e excesso jamais visto,
De idéia
que esteriliza e desensina,
Loucura
que igualava Messalina
A pureza
lirial da Mãe do Cristo.
Assim
vivi na presunção que via,
Dos cumes
da Ciência e do saber,
Os
princípios genéricos do ser,
No
pantanal da lama em que eu vivia.
Vi,
porém, a matéria apodrecer,
E na
individualidade indivisível
Ouvi a
voz esplêndida e terrível
Da luz,
na luz etérica a dizer:
2
“Louco,
que emerges de apodrecimentos,
Alma
pobre, esquelético fantasma
Que
gastaste a energia do teu plasma
Em
combates estéreis, famulentos...
Em teus
dias inúteis, foste apenas
Um corvo
ou sanguessuga de defuntos,
Vendo
somente a cárie dos conjuntos,
Entre as
sombras das lágrimas terrenas.
Vias os
teus iguais, iguais aos odres
Onde se
guarda o fragmento imundo.
De todo o
esterco que apavora o mundo
E os
tóxicos letais dos corpos podres.
E tanto
viste os corpos e as matérias
No esterquilínio
generalizados.
E os
instintos hidrófobos, danados,
Em meio
de excrescências e misérias
Que
corrompeste a íntima saúde
Da tua
alma cegada de amargores,
Que na
Terra não viu os esplendores
E as
ignívomas luzes da virtude.
Olhos
cegos às chamas da bondade
De Deus e
à divina misericórdia,
Que
espalha o bem e as auras da concórdia
No
coração de toda a Humanidade.
Descansa,
agora, vibrião das ruínas.
Esquece o
verme, as carnes, os estrumes.
Retempera-te
em meio doS perfumes
Cantando
a luz das amplidões divinas.”
3
Calou-se
a voz. E sufocando gritos,
Filhos do
pranto que me espedaçava,
Reconheci
que a vida continuava
Infinita,
em eternos infinitos!
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