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"FÉ INABALÁVEL SÓ O É A QUE PODE ENCARAR FRENTE A FRENTE A RAZÃO, EM TODAS AS ÉPOCAS DA HUMANIDADE."
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domingo, 23 de dezembro de 2012

Voz do Infinito

Poema de Augusto dos Anjos publicado no livro: Parnasso de Além Túmulo.


PARAIBANO. Nasceu em 1884 e desencarnou em 1914, na cidade de Leopoldina. Minas. Era professor no Colégio Pedro 2º, inconfundível pela bizarria da técnica bem como dos assuntos de sua predileção, deixou um só livro — Eu — que foi. alias. Suficiente para lhe dar personalidade original.



Voz do Infinito

1
No excêntrico labor das minhas normas
Na Terra, muita vez me consumia
Perquirindo nas leis da Biologia
As expressões orgânicas das formas.

O fenômeno apenas, porque o fundo
Do númeno às eternas rutilâncias,
Eram partes do Todo nas Substâncias
Desde o estado prodrômico do mundo.

Com o espírito absconso em paroxismos,
No rubro incêndio de batalha acesa,
Via Deus adstrito à Natureza,
Deus era a lei de eternos transformismos.

Concepção panteística, englobando
As substâncias todas na Unidade,
Perpetuando-se em continuidade,
A essência onicriadora reformando.

O corpo, desde o embrião inicial,
Era um mero atavismo revivendo;
A alma era a molécula, sofrendo,
Afastada do Todo Universal;

Dominava-me todo o medo horrível,
Do meu viver, que eu via transtornado:
Eu era um átomo individuado
Em cerebralidade putrescível.

A luz dessa dourada ignorância,
E com certezas lógicas, numéricas,
Notava as pestilências cadavéricas
Iguais à carne Angélica da infância,

A sutilez do arminho que se veste,
A coroa aromática das flores,
Irmanadas aos pútridos fedores
De emanações pestíferas da peste!

Extravagância e excesso jamais visto,
De idéia que esteriliza e desensina,
Loucura que igualava Messalina
A pureza lirial da Mãe do Cristo.

Assim vivi na presunção que via,
Dos cumes da Ciência e do saber,
Os princípios genéricos do ser,
No pantanal da lama em que eu vivia.

Vi, porém, a matéria apodrecer,
E na individualidade indivisível
Ouvi a voz esplêndida e terrível
Da luz, na luz etérica a dizer:

2
“Louco, que emerges de apodrecimentos,
Alma pobre, esquelético fantasma
Que gastaste a energia do teu plasma
Em combates estéreis, famulentos...

Em teus dias inúteis, foste apenas
Um corvo ou sanguessuga de defuntos,
Vendo somente a cárie dos conjuntos,
Entre as sombras das lágrimas terrenas.

Vias os teus iguais, iguais aos odres
Onde se guarda o fragmento imundo.
De todo o esterco que apavora o mundo
E os tóxicos letais dos corpos podres.

E tanto viste os corpos e as matérias
No esterquilínio generalizados.
E os instintos hidrófobos, danados,
Em meio de excrescências e misérias

Que corrompeste a íntima saúde
Da tua alma cegada de amargores,
Que na Terra não viu os esplendores
E as ignívomas luzes da virtude.

Olhos cegos às chamas da bondade
De Deus e à divina misericórdia,
Que espalha o bem e as auras da concórdia
No coração de toda a Humanidade.

Descansa, agora, vibrião das ruínas.
Esquece o verme, as carnes, os estrumes.
Retempera-te em meio doS perfumes
Cantando a luz das amplidões divinas.”
3
Calou-se a voz. E sufocando gritos,
Filhos do pranto que me espedaçava,
Reconheci que a vida continuava
Infinita, em eternos infinitos!

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