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"FÉ INABALÁVEL SÓ O É A QUE PODE ENCARAR FRENTE A FRENTE A RAZÃO, EM TODAS AS ÉPOCAS DA HUMANIDADE."
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domingo, 21 de agosto de 2011

Diálogo sobre a reencarnação no livro Memórias de um Suicída

Chegara ao Pavilhão Indiano pela manhã, acompanhado do assistente Ambrósio, a cuja bondade tanto devia. Passara já pelo Hospital, a despedir-se de Teócrito e seus auxiliares, em cujos corações encontrara sempre sólidas afeições; e agora nos procurava a fim de retribuir as visitas que lhe fizéramos e também despedir-se, pois que naquela mesma semana encaminhar-se-ia para o Recolhimento, a cuidar dos preparativos da reencarnação próxima. Via-se a amargura timbrar-lhe as feições, num aspecto de acabrunhamento iniludível. Jerônimo não fora jamais resignado! Desde o Vale Sinistro conhecíamo-lo como dos mais desarmonizados da nossa desarmoniosa falange!
Penalizado, alvitrei, medindo pelos meus os acicates que o deviam ferir: 

"- Por que não retardas um pouco mais a volta ao teatro dos infortúnios que te pungiram, amigo Silveira?!... Consta-me não ser obrigatório, em determinados casos, o constrangimento à volta... Quanto a mim dilatarei o mais possível a permanência aqui... a não ser que me demovam resoluções ulteriores..." 

Mas, certamente, as deliberações tomadas após a última visita que ao Isolamento fizéramos foram muito sérias e importantes, porque respondeu com ardor e veemência: 

"- Absolutamente não convém aos meus interesses pessoais dilatar por mais tempo o cumprimento do dever... que digo eu?... da sentença por mim mesmo lavrada no dia em que comecei a desviar-me da Lei Soberana que rege o Universo! Fui grandemente preparado por Irmão Santarém e Irmão Ambrósio, meus dignos tutores, para esse serviço que se impõe às minhas críticas necessidades do momento. Depois de muito ponderar, cheguei à conclusão de que devo, realmente, renovar a existência humana quanto antes, uma vez que meus erros foram graves, vultosas as minhas responsabilidades, os quais, portanto, onerando de exorbitantes débitos, agora, minha inquieta consciência, me obrigam a expungir dela os reflexos desonrosos que a ensombram, o que só poderá efetivar-se em voltando eu ao teatro das minhas infrações a fim de novamente realizar - mas realizar honrosamente - o mesmo que no passado indignamente desbaratei, inclusive
minha própria organização material!" 

"- Quererás, assim, dizer que renascerás no Porto mesmo?..." - indagamos em coro. 

"- Sim, amigos! Deus seja louvado! . . . Renascerei no Porto mesmo, como ainda ontem... Poisarei na vida objetiva em casa afazendada!... Serei novamente pessoa abastada, cuidarei de capitais financeiros, meus como alheios, enfrentarei segunda vez as rijas tentações sopradas pelo orgulho, pelas vaidades e pelo egoísmo! . . . Subirei no conceito dos meus semelhantes, considerar-me-ão personagem honrada e grada... Serei o mesmo, tal qual ontem o fui! . . . Apenas, não mais me conhecerão sob o desonrado nome de Jerônimo de Araújo Silveira, porque outro receberei ao nascer, a fim de acobertar-me da vergonha que me segue os passos... Apenas tudo isso realizarei como expiação, a terrível expiação de possuir riquezas, mais arriscada e temerosa que a da miséria, mais difícil de conceder méritos ao seu infeliz possuidor!... 

A beira de um novo berço para ainda uma vez ser homem e ressarcir antigos delitos, comove-me até às lágrimas o verificar a paternal bondade do Onipotente, concedendo-me a graça do retorno protegido pelo Esquecimento, pelo disfarce de uma nova armadura carnal, um nome novo, a fim de que minha desonra de outrora não seja por toda a sociedade em que vivi reconhecida e execrada; e eu, assim confiante e fortalecido, possa tentar a reabilitação perante a Lei Universal que de todas as formas infringi, perante mim mesmo, finalmente! . . . Pois sabei todos vós, amigos: a vergonha da desonra ruboriza-me ainda as faces espirituais, como no dia aziago em que me confiei ao suicídio, no intuito de livrar-me dela!..." 

"- Impressiona-me a tua argumentação, ó Jerônimo ! Com satisfação verifico que não foram inúteis os esforços de Irmão Santarém e Irmão Ambrósio em torno do teu caso.. ." - interveio João d'Azevedo.

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