A trajetória de predominância do ego no ser é larga. A descoberta do eu profundo, do ser real, da individuação é, por conseqüência, mais difícil, mais sacrificial, exigindo todo o empenho e dedicação para ser lograda.
Vivendo
em um mundo físico, no qual a ilusão da forma confunde a realidade, o que
parece tem predomínio sobre o que é, o visível e o temporal dominam os
sentidos, em detrimento do não visível e do atemporal, jungindo o ser à
projeção, com prejuízo para o que é real, e é compreensível que haja engano na
eleição do total em detrimento do incompleto.
Esse
conflito — parecer e ser — responde pelos equívocos existenciais, que dão
preferência ao que fere os sentidos, substituindo as emoções da alma, além das
estruturas orgânicas. Estabelece-se, então, a prevalência da ilusão derivada do
sensorial que a tudo comanda, no campo das formas, desempenhando finalidade
dominante em quase todos os aspectos da vida.
Submerso
no oceano da matéria o ser profundo — o eu — encontrando-se em período de
imaturidade psicológica, deixa-se conduzir pelo exterior, supondo-se diante
da realidade, sem dar-se conta da mobilidade e estrutura de todas as coisas, na
sua constituição molecular.
O campo
das formas responde pela ilusão dos sentidos, que se prolongam pelos delicados
equipamentos emocionais, dando curso a aspirações, desejos e comportamentos.
A ilusão,
no entanto, é efêmera, quanto tudo que se expressa de maneira temporal. A
própria fugacidade do tempo, como medida representativa e dimensional da
experiência física, traí o ser psicológico, cujo espaço ilimitado necessita de
outro parâmetro ou coordenada que, ao lado de outra coordenada espacial,
faculta a identificação univocamente de um fato ou ocorrência.
O ser
psicológico movimenta-se em liberdade, podendo viver o passado no presente, o
presente no momento e o futuro, conforme a projeção dos anseios, igualmente na
atualidade. As dimensões temporais cedem-lhe lugar às fixações emocionais,
responsáveis pela conduta do eu profundo.
Face a
essa distonia entre o tempo físico e o emocional, cria-se a ilusão que se
incorpora como necessidade de vivência imediata, primordial para a vida, sem o
que o significado existencial deixa de ter importância.
A escala
de valores do indivíduo está submetida à relatividade do conceito que mantém em
torno do que anela e crê ser-lhe indispensável. Enquanto não aprofunda o
sentido da realidade, a fim de identificar-lhe os conteúdos, todos os espaços
mentais e emocionais permanecem propícios aos anseios da ilusão.
E
ilusória a existência física, apertada na breve dimensão temporal do berço ao
túmulo, de um início e um fim, de uma aglutinação e uma destruição de moléculas,
retornando ao caos de onde se teria originado, fazendo que o sentido para o eu
profundo seja destituído de uma qualificação de permanência. Como efeito mais
imediato, a ilusão do gozo se apropria do espaço-tempo de que dispõe,
estabelecendo premissas falsas e gozos igualmente enganosos.
A
dilatação do processo existencial, começando antes do berço e prosseguindo além
do túmulo, oferece objetivos ampliados, que se eternizam, proporcionando
contentos satisfatórios que se transformam em realizações espirituais de
valorização da vida em todos os seus atributos.
O ser
humano não mais se apresenta como sendo uma constituição de partículas que
formam um corpo, no qual, equipamentos eletrônicos de alta procedência
reúnem-se casualmente para formar a estrutura humana, o seu pensamento, suas
emoções, tendências, aspirações e acontecimentos morais, sociais, econômicos,
orgânicos...
Essa
visão do ser profundo desarticula as engrenagens falsas da fatalidade, do
destino infeliz, das tragédias do cotidiano, dos acontecimentos fortuitos que
respondem pela sorte e pela desgraça, dos absurdos e funestos sucessos
existenciais.
Abre
perspectivas para a auto-elaboração de valores significativos para a
felicidade, oferecendo estímulos para mudar o destino a cada momento, a
alterar as situações desastrosas por intermédio de disciplinas psíquicas,
portanto, igualmente comportamentais, superando as ilusões fastidiosas e
rumando na direção da realidade permanente à qual se encontra submetido.
Certamente,
os prazeres e divertimentos, os jogos afetivos — quando não danosos para os
outros, gerando-lhes lesões na alma — as buscas de metas próximas que dão
sabor à existência terrena, devem fazer parte do cardápio das procuras humanas,
nesse inter-relacionamento pessoal e comportamental que enriquece
psicologicamente o ser profundo.
O fato de
ëxpressar-se como condição de indestrutibilidade, não o impede de vivenciar as
alegrias transitórias das sensações e das emoções de cada momento. Afinal, o
tempo é feito de momentos, convencionalmente denominados passado, presente e
futuro.
Qualquer
castração no que diz respeito à busca de satisfações orgânicas e emocionais
produz distúrbio nos conteúdos da vida. No entanto, o apego exagerado, a
ininterrupta volúpia por novos gozos, a incompletude produzem, por sua vez,
outra ordem de transtornos que atormentam o ser, impedindo-o de crescer e
desenvolver as metas para as quais se encontra corporificado na Terra.
Diversos
estudiosos da psique humana atribuem ao conceito de imortalidade do ser uma
proposta ilusória, necessária para o seu comportamento, a partir do momento em
que se liberta do pai biológico, transferindo os seus conflitos e temores para
Deus, o Pai Eterno. Herança do primarismo tribal, esse temor se tornaria
prevalecente na conduta imatura, que teria necessidade desse suporte para
afirmação e desenvolvimento da personalidade, como para a própria segurança psicológica.
Como conseqüência, atribuem tudo ao caos do princípio, antes do tempo e do
espaço einsteiniano.
Se
considerarmos esse caos, como sendo de natureza organizadora, programadora,
pensante, anuímos completamente com a tese da origem das formas no Universo.
Se, no entanto, lhe atribuirmos condição fortuita e impensada dos
acontecimentos, somos levados ao absurdo da aceitação de um nada gerar tudo, de
uma desordem estabelecer equilíbrio, de um desastre de coisa nenhuma — por
inexistir qualquer coisa — dar origem à grandeza das galáxias e à harmonia das
micropartículas, para não devanearmos poeticamente pela beleza e delicadeza de
uma pétala de rosa perfumada ou a leveza de uma borboleta flutuando nos rios
da brisa suave, ou das estruturas do músculo cardíaco, dos neurônios
cerebrais...
A Vida
tem sua causalidade em si mesma, pensante e atuante, que convida a reflexões
demoradas e qualitativas, propondo raciocínios cuidadosos, a fim de não se perder
em complexidades desnecessárias. Por efeito, todos os seres sencientes,
particularmente o humano, procedemde uma Fonte Geradora, realizando grandiosa
viagem de retorno à sua Causa.
Os
conflitos são heranças de experiências fracassadas, mal vividas, deixadas pelo
caminho, por falta de conhecimento e de emoção, que se vão adquirindo etapa-a-etapa
no processo dos renascimentos do Espírito — seu psiquismo eterno.
A ilusão
resulta, igualmente, da falta de percepção e densidade de entendimento, que se
vai esmaecendo e cedendo lugar à realidade, à medida que são conquistados
novos patamares representativos das necessidades do progresso. São essas
necessidades — primárias, dispensáveis, essenciais — que estabelecem o considerando
do psiquismo para a busca do que lhe parece fundamental e propiciador para a
felicidade.
O eu
permanece, enquanto a ilusão transita e se transforma. Quanto hoje se apresenta
essencial, algum tempo depois perde totalmente o valor, cedendo lugar a novas
conquistas, que são, por sua vez, técnicas de aprendizagem, de crescimento,
desde que não deixem na retaguarda marcas de sofrimento, nem campos devastados
pelas pragas das paixões primitivas.
Momento
chega a todos os seres em desenvolvimento psicológico, no qual, se recorre à
busca espiritual, à realização metafísica, superando-se a ilusão da carne, do
tempo físico, assim equilibrando-se interiormente para inundar-se de
imortalidade consciente.
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